sexta-feira, 23 de outubro de 2009

RENOVANDO VIDAS

Desafio Jovem Renovo Suzano recupera alcoólatras e viciados em drogas com a solidariedade e o Evangelho
A Bíblia já adverte que a fé sem obras é morta e de que qualquer benefício prestado ao necessitado em nome de Jesus é como uma oferta ao próprio Senhor. Pois é de olho nos princípios estabelecidos nas Escrituras para a ajuda ao próximo e com uma boa dose de espírito solidário que um grupo de crentes de Suzano, região metropolitana de São Paulo, têm feito o que podem para não deixar o faminto sem pão e o desabrigado sem teto. E, principalmente, para distribuir esperança cristã a quem chegou ao fundo do poço. É o Desafio Jovem Renovo Suzano, entidade que, ao longo de 18 anos, já prestou assistência a mais de 900 pessoas, em sua maioria dependentes de drogas ou álcool. Lá, o segredo da reabilitação passa por métodos como apoio psicológico, ajuda material e terapia ocupacional – além, é claro, do socorro que vem do Alto. A instituição carrega no nome a identificação com um dos mais conhecidos e respeitados movimentos do gênero em todo o mundo – o Desafio Jovem, instituição criada nos anos 60 pelo pastor americano David Wilkerson para evangelizar e ressocializar integrantes de gangues de rua de Nova York. Com cerca de 300 unidades independentes espalhadas pelo Brasil, o Desafio Jovem é referência no atendimento a narcodependentes. O Renovo Suzano nasceu em 1987, fruto da iniciativa do comerciante evangélico Isaac Makssoudian. Membro da Igreja Evangélica Pentecostal da Bíblia, ele teve seu primeiro contato com um dependente químico dois anos antes. Um amigo pediu que ajudasse a encontrar uma casa de recuperação para o sobrinho viciado em heroína.Isaac o encaminhou para um centro no interior paulista. O moço superou o problema e, a partir daí, dezenas de pessoas começaram a procurar o comerciante para que ele ajudasse a encontrar locais para socorrer viciados. “Como a demanda era muito grande e havia carência de boas casas, não tive dúvidas. Juntamente com alguns colaboradores, fundamos o Renovo Suzano”, lembra. A sede da entidade é propositadamente afastada, na zona rural da pequena Suzano. É um local tranqüilo, com área de 15 mil metros quadrados. Lá, há dormitórios confortáveis, um refeitório usado também como sala de encontros e leitura e quadras esportivas, além de hortas que produzem legumes e hortaliças. Apesar da simplicidade, tudo é bem organizado para o atendimento aos atuais 35 internos, que preferem ser chamados de alunos. Eles vão encaminhados pelas famílias ou por igrejas que conhecem o trabalho. Há também os que chegam por livre iniciativa. Quem pode, paga pela internação – mas carentes também são recebidos e atendidos do mesmo jeito.A entidade, sem fins lucrativos, conta com o apoio voluntário de médicos, dentistas e uma psicóloga, além de pessoas que submeteram-se ao tratamento e, agora reabilitados, auxiliam na recuperação de outros. Gente como Nelson Rocha, 48 anos, atual vice-presidente da instituição. Ele foi o primeiro interno encaminhado ao Renovo. Embora proveniente de uma família de classe média, começou a beber aos 11 anos. Mais tarde, já adulto, casado e com uma filha, perdeu tudo para o álcool, inclusive o emprego como relações públicas de uma grande loja. “A bebida jogou-me literalmente na sarjeta”, lembra. Ele dormia numa estação de trem e tentou, várias vezes, abandonar o vício, sem sucesso. Viu um irmão, também alcoólatra, morrer de cirrose hepática. Até que foi encaminhado para o então recém-criado Renovo Suzano. “Aqui, nasci de novo”, resume, emocionado. Transformação – Todos que têm algum conhecimento no assunto sabem que o processo de reabilitação de um dependente passa por muitas etapas. Mas para Nelson, a fé é fundamental: “Para que a recuperação seja completa e eficaz, não basta apenas o período de internação. É preciso uma transformação pelo poder de Jesus Cristo”, aponta. O Renovo estabelece oito meses de residência, nos quais os alunos passam por três fases. A primeira é a da desintoxicação, com terapia ocupacional, estudos bíblicos, ajuda nas tarefas da casa e prática de esportes. Em seguida lhes são designadas funções de maior responsabilidade. A terceira fase é o início da reintegração com a família, com saídas nos fins de semana. Durante as três fases, são promovidos cultos, palestras e exibições de vídeos educativos. Nelson se diz um exemplo vivo de que a recuperação é possível mediante o poder de Deus e atendimento apropriado. Passados quase 18 anos, vive novamente com a mulher e teve mais um filho. Hoje, além de ser um dos diretores mais atuantes da instituição, é microempresário no ramo alimentício e presbítero numa igreja evangélica. Sobre seu trabalho no Renovo, ele acredita que é uma missão divina. “Meu ministério é poder ajudar essas pessoas a encontrarem não somente o rumo de suas vidas, mas ter um encontro com Cristo, assim como eu tive”, afirma.Relatos de dramas são comuns no Renovo. Cada aluno tem sua história para contar. Mário Benedito de Souza, 42, foi abandonado pela mãe com apenas dois anos de idade e criado por uma família de Lavras (MG). Aos 19 anos, já fumava maconha e cheirava cocaína. Acabou se estabelecendo na capital paulista, conhecendo aquela que seria sua mulher, com quem teve dois filhos. Tornou-se comerciante e vivia bem, mas o uso contínuo de drogas pesadas arruinou-o. Mário limpava os caixas de sua loja para ir à boca de fumo comprar crack. Um abismo chamou outro abismo – ele viu a mulher morrer de câncer e foi ameaçado pelos traficantes a quem devia dinheiro. Encaminhado à casa, Mário conta que conheceu o amor de Deus. Reabilitado, ele está para deixar o Renovo e já faz planos. “Se não fosse pelo Pai, eu não estaria vivo. Espero trabalhar muito lá fora”, sonha.“Quando sair daqui, quero tocar minha vida, guiado por Deus”, faz coro Gilmar Sanches, 49, de anos. Ex-publicitário, ele chegou a morar nos Estados Unidos, onde ficou preso dois anos por causa do envolvimento com as drogas. De volta ao Brasil, a coisa piorou – uma overdose o deixou hospitalizado, em coma, por 21 dias. No Renovo, o convívio e a solidariedade dos companheiros deram-lhe nova motivação para viver. Convertido ao Evangelho, ele deixa a instituição este ano. “Minha vida mudou”, resume. Outro que marca sua vida entre antes e depois de se encontrar com Cristo é Sebastião Luiz, o Tião. Quem o vê não imagina que trata-se, também, de um ex-dependente. Ele passou por outra unidade do Desafio Jovem e, quando o Renovo surgiu, integrou-se à instituição, onde mora com a mulher e três filhos. Bastante querido pelos internos, Tião é um dos líderes e faz as vezes de psicólogo informal, aconselhando e contando sua experiência no abismo das drogas. “Procuro auxiliar no que é possível”, simplifica. Para Isaac Makssoudian, a presença de Tião é fundamental: “Os alunos o respeitam muito, pois consideram-no uma pessoa com autoridade, que viveu e superou todo o drama que estão enfrentando.” Preconceito – Parte destes relatos está contada no livro As clareiras, escrito pelo comerciante Eliseu Ramos, um dos mantenedores da casa. Os lucros obtidos com a venda da obra, lançada pela Editora Lio, são revertidos ao sustento da entidade. “É a melhor forma que encontrei para que não faltem recursos” diz Eliseu. Ele atua como uma espécie de padrinho do Renovo, que conheceu em 1994, uma época em que a instituição quase fechou as portas por falta de dinheiro. “Se não fosse a intervenção dele, teríamos parado”, reconhece Isaac. Desde então, o comerciante corre para lá e para cá levantando donativos, promovendo eventos beneficentes e organizando equipes de voluntários. Segundo Eliseu, o que dificulta a situação é o preconceito que muita gente tem em relação a dependentes químicos. “É mais fácil uma empresa ajudar um orfanato de crianças do que uma casa de recuperação de viciados” argumenta. Mesmo assim o trabalho segue, visando não só a reintegração do interno à família, mas também dando suporte para que votem a trabalhar. A instituição já fornece treinamento para quem quer aprender ofícios como o de cozinheiro, pedreiro ou eletricista. Está para ser implantada também uma oficina de informática, além de biblioteca e videoteca. “Aqui, a gente costuma dizer que não dá para endireitar o mundo todo, mas o mundo de alguém podemos consertar”, comenta Eliseu Ramos. A julgar pelas histórias de quem passou pelo Renovo, a frase de efeito corresponde mesmo à realidade.
Claiton
CesarJornalista da revista Eclésia